segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Eduardo Galeano, o caçador de vozes


O escritor uruguaio Eduardo Galeano fala do destino dos países latino-americanos, faz a defesa dos ideais de esquerda e decreta: o único pecado que não deve ser cometido é o pecado contra a esperança

Por Glauco Faria e Nicolau Soares

O ano é 1996. O escritor uruguaio Eduardo Galeano estava em um encontro em Chiapas, México, com integrantes do movimento zapatista, entre os quais o próprio subcomandante Marcos. Em meio a conversas e debates, algo o perturbava. Aquele não era um dia qualquer.

No entanto, o que tirava o sossego de Galeano não eram os focos de tensão entre os rebeldes e o governo, nem algum acontecimento no cenário político internacional, mas uma partida de futebol. Tratava-se da final do torneio de futebol masculino nas Olimpíadas de Atlanta entre as seleções de Argentina e Nigéria.

Como assistir o jogo em meio à extensa programação do dia? Em um intervalo entre uma reunião e outra, o uruguaio não se conteve. Fingiu ir ao banheiro e saiu escondido para o hotel onde estava hospedado. Quando voltou, perguntaram-lhe: “Eduardo, onde estavas?”. Disfarçou e deu uma desculpa qualquer. “Nunca tive coragem de admitir que fugi para ver o jogo.”

O futebol é tema recorrente de comparações e de histórias de Galeano, que fez essa confidência à Fórum em meio à sua participação no I Festival Latino-Americano de Música Camponesa, realizado em Curitiba em novembro do ano passado. Na ocasião, o escritor falou a milhares de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o MST.

O uruguaio, que conseguiu tocar milhões de leitores com o clássico As Veias Abertas da América Latina, seduz os espectadores que acompanham suas palestras. Com um português impecável e uma serenidade inabalável, recorre a histórias e parábolas para ilustrar suas contundentes críticas ao modelo neoliberal e aos rumos da esquerda e dos países do continente latino-americano. Mas em cada trecho de sua fala faz questão de deixar uma palavra de esperança e reafirmação de valores caros aos movimentos progressistas. Durante sua estada no evento, Fórum acompanhou os passos do escritor e traz abaixo os principais trechos de sua entrevista exclusiva, assim como da palestra que realizou no evento. Apesar de ser sábado e ter jogo do Brasileiro na televisão, dessa vez, Galeano não escapou.

Ser de esquerda

É difícil fazer um catálogo dos ideais de esquerda. Eu diria que são os mais ligados às idéias da liberdade, da comunhão com a natureza, da preservação da vida, não só humana, mas da vida do planeta, que é nossa casa. E é a certeza de que fazemos parte de um arco-íris de diversas cores e que o racismo está nos deixando cegos para essa maravilha que é a diversidade humana e da vida no mundo. Porque o melhor do mundo é a quantidade de mundos que ele contém. Essas seriam algumas coisas básicas.

Ocorre hoje a ressurreição dos laços solidários, não digo mortos, mas muito feridos, quebrados, a partir da imposição de uma escala de valores fundada na salvação pessoal, na idéia de que o outro é um competidor e um inimigo, não um companheiro. Que é uma ameaça e não uma promessa. Acredito, como um homem de esquerda, que alguém sempre tem alguma coisa para dizer que valha a pena escutar. Os trinta e poucos anos transcorridos desde que escrevi As Veias Abertas da América Latina indicam que alguns desses valores já não têm a força que antes tinham. Por exemplo, nos anos 70, ninguém discutia que a pobreza era filha da injustiça. Era a esquerda quem denunciava, mas ninguém discutia. O centro aprovava e a direita não discutia, calava a boca. Agora, é uma minoria que continua acreditando nisso. Para a maioria dos opinion makers, os fabricantes de opinião do mundo, a pobreza é o castigo que a ineficiência merece. Isso é uma mudança de valores radical.

Boas notícias

É muito difícil perceber que projetos e idéias são interessantes, mas eles existem. Há casos como o plebiscito da água, que me parece uma coisa digna de contágio, merece ser imitada por outros países. Mas não tenho muita esperança, porque o Uruguai já fez um outro plebiscito em 1992 sobre a privatização das empresas públicas em que 72% da população votaram contra e ninguém imitou isso, que é um exercício de democracia elementar. Quando você está tomando uma medida que vai afetar o destino de várias gerações, como é a privatização dos recursos essenciais de um país, é necessário consultar à população.

Mas além dessas coisas, que são muito concretas, palpáveis, é difícil fazer uma lista das boas notícias. Mas elas existem o tempo todo, às vezes em uma escala local que não tem a menor repercussão, mas que é verdadeira.

Efeito Lewinsky

O governador Requião, em um almoço, me dizia que nenhum jornal brasileiro publicou nenhuma linha sobre o plebiscito da água que ocorreu no Uruguai. E foi um fato muito importante, não por ter acontecido no meu país, não vou fazer patriotadas bobas, mas porque foi o primeiro país a fazer uma consulta pública sobre o uso de um recurso natural perecível como é a água. Foram 65% dos uruguaios a favor de uma emenda constitucional que garante que a água continuará sendo propriedade pública e não um negócio privado. Isso não apareceu nos jornais, não era notícia.

Há um controle mundial nos meios de comunicação que já é hora de ser quebrado. Uso como exemplo o ano de 1998, quando o mundo ficou condenado a ler, escutar e assistir, dia após dia, às notícias do romance entre o presidente do planeta e aquela gordinha voraz, Monica Lewinsky. Você tomava café da manhã com ela, almoçava com ela, jantava com ela… Um ano inteiro. Um dia, estava na Europa e abri um jornal que era pura Monica Lewinsky. E aí, perdida, havia uma notícia, na última coluna da página sete, dizendo que as três organizações ecológicas mais importantes do mundo haviam se juntado em Londres para divulgar um relatório seriíssimo que revelava que, em meio século, o mundo tinha perdido um terço de seus recursos naturais. Isso não teve a menor importância. Um terço dos recursos é fácil de dizer, mas se você pensa na dimensão desse crime gigantesco… O mundo tinha perdido em cinqüenta anos um terço de seus recursos e não tinha espaço para isso no jornal, porque estavam ocupados com a outra história.

O processo do Fórum

Percebo uma multiplicação da energia criativa na sociedade civil da América Latina a partir do primeiro FSM, um maior dinamismo. Existe uma contradição entre o tempo da história e o tempo da vida dos homens. Cada pessoa quer ver os resultados das coisas, o que é compreensível, um desejo humano. Mas a história é uma senhora que caminha devagar. É preciso ter paciência. O resultado dessa articulação de vozes não aparece em um ou nem mesmo em dez anos. Estão despertando energias que pareciam estar dormindo ou até mortas.

Essa articulação é lenta, mas imprescindível para o futuro dos movimentos sociais. Na solidão, estamos mortos. A esquerda está tentando um caminho novo, novas experiências políticas. Essas novidades aparecem em todos os setores, não só nas eleições. É interessante ver que (Hugo) Chávez, demonizadíssimo por toda a grande mídia, ganha nove eleições limpas. Estamos falando de um tirano muito especial que ganhou nove eleições – todas mais transparentes que as dos EUA. No Uruguai, a esquerda ganhou, mostrando que o trabalho rende frutos, não é só água jogada no mar. Foi um trabalho iniciado em 1971, casa por casa.

O FSM e os pequenos

Com o passar do tempo, valorizo cada vez mais as pequenas escalas, as pequenas dimensões e desconfio cada vez mais da espetacularização das grandes notícias. Eu digo isso para revelar a grandeza escondida nas coisas pequenas e denunciar a mesquinharia das coisas grandes. O Fórum Social Mundial tem essa característica do espetáculo, mas é diferente, porque é nascido da insólita e jamais vista tentativa de juntar todas essas pequenas forças desconhecidas que existiam espalhadas. Ele tem sido um grande passo adiante na direção correta de juntar os dispersos, re-vincular os desvinculados, de salvar-nos da solidão. Nesse sentido, acho que o mundo tem avançado muito, de uma maneira silenciosa, não estrepitosa, mas certa. E que não corresponde exigir resultados imediatos, pois são processos muito longos, complexos, que caminham devagar e crescem desde o pé, como pedia o cantor uruguaio e meu amigo muito querido Alfredo Zitarosa, porque senão as coisas não duram.

O Fórum abriu um grande espaço de encontro e essa é sua importância, ter conseguido que os dedos ganhassem consciência de que fora da mão não servem para nada. A ida para a Índia parece ter sido uma experiência positiva, pois abriu toda uma metade do mundo que estava meio em sombra, não aparecia muito, e permitiu a expressão de forças que estavam latentes. Mas não sei o que acontecerá. Em geral, não sou um bom profeta. Sobretudo no que mais me interessa na vida, que é o futebol (risos).

500 Anos de Solidão

A América Latina é uma região do planeta dentro da qual existem energias de mudança muito lindas e também energias do sistema colonial que vêm se perpetuando já há mais de cinco séculos e que são muito poderosas. Eles têm um poder econômico e cultural imenso e boa parte do poder político. São essas as forças que estão nos treinando desde sempre para a certeza de nossa impotência. Para a certeza de que a realidade é intocável, de que o que é, é porque foi e continuará sendo. De que amanhã é outro nome de hoje. Isso é um fatalismo herdado e tem muito tempo de vida: cinco séculos. Não é fácil lutar contra isso. Vamos inventar a vida, vamos imaginar o futuro. Vamos cometer a loucura de acreditar que essa terra pode ser outra. De que essa região nossa não está condenada pelos deuses nem pelos diabos à pena perpétua de solidão e desgraça. Mas isso não é fácil.

Elogio ou acusação

Como sempre, há essa tensão criativa entre as forças da inércia dos sistemas tradicionais e as forças novas que surgem. O problema é que às vezes as forças novas adotam os valores das que combatem sem perceber. Por exemplo, toda uma escala de valores que acredita no sucesso como uma fonte de valor. Então, essas forças de mudança começam uma corrida louca para parecer com seu inimigo, para fazer a coisa de tal maneira que seu inimigo lhe aplauda. Às vezes me dizem: “você é muito bom”. Mas eu procuro ver quem é que está falando, porque, dependendo, pode ser uma acusação gravíssima.

O pecado contra a esperança

A vitória da esquerda nas eleições uruguaias foi, para nós, um acontecimento incrível. Parece milagre. A esquerda obteve a metade mais um dos votos contra um monopólio compartilhado de dois partidos tradicionais que exerciam o poder desde a fundação dos tempos, desde Adão e Eva ou antes. Parece milagre, mas não é. É o resultado de um trabalho paciente, feito dia após dia, porta por porta, consciência após consciência. A vitória da Frente Ampla foi crescendo desde o pé. E foi celebrada numa noite inesquecível. Aquele domingo foi absolutamente inesquecível. Eu nunca tinha visto, sentido, vivido tanta alegria no meu país. Foi uma ressurreição da alegria, que parecia morta, mas estava apenas dormindo. Lá pelas quatro da manhã, o povo nas ruas, aquela explosão incessante das melhores coisas, um amigo me comentou: “Quero que essa noite não acabe nunca”.

E essa frase, que é lindíssima, não se refere só à noite da celebração, mas também a tudo que aquela noite estava encarnando, simbolizando. O que ele queria dizer verdadeiramente, mesmo sem saber, era: “Eu quero que essa alegria, essa esperança, não seja jamais traída”. Porque tinha razão o meu mestre Carlo Quijano quando, há muitos anos, comecei a fazer jornalismo ainda quase criança com ele, no semanário Marte. Ele me dizia: “Qualquer um que lhe olhe nos olhos já vê claramente sua vocação de pecado. Você é um pecador de nascença e eu não tenho nada contra. Peque sim. Mas tem um pecado que não tem redenção, que não merece perdão. É o pecado contra a esperança”. Essa é a imensa responsabilidade da esquerda em meu país. Não trair nunca essa boa energia de vida que foi vitoriosa nas eleições.

Uruguai hipotecado

O governo da Frente Ampla, que está nascendo agora, é o resultado do desenvolvimento de um movimento popular que jamais falou que iria ganhar o governo para fazer o socialismo. Seria irreal prometer isso. O que se prometeu foram coisas mais moderadas, modestas, que são as mais ou menos realizáveis, que eu espero que sejam realizáveis em um país quebrado, desesperançado como é o Uruguai. A primeira prioridade é lutar contra a pobreza. A segunda, resgatar os filhos perdidos de um país que perdeu a população jovem, condenada ao exílio econômico, expulsa pelo sistema de poder. E a terceira, vinculada com as outras duas, é buscar um desenvolvimento econômico que não contradiga a soberania nacional sobre os recursos básicos e que permita a criação de fontes de emprego. O problema do Uruguai é que o país foi convertido pela estrutura dominante em um banco. O banco quebrou e assim estamos. A esquerda recebe um país hipotecado, com compromissos de dívida externa terríveis, pesadíssimos. Esse é o drama latino-americano em geral, é uma soberania condicionada. Você é independente até um certo ponto. Porque depois, quem decide são os credores. É o resultado de viver em um estado de dívida perpétua, pagando para se endividar mais e mais.

Lula

Não pretendo explicar para o brasileiro como são as coisas aqui. Não sou de vender gelo a esquimós. Estou aqui aprendendo, perguntando. No caso do governo Lula, há uma distância entre as expectativas e a realidade. É um problema da esquerda no mundo, a perda de identidade. Ela passa a não se diferenciar do que combate. Em nome do realismo, se sacrificam alguns princípios fundamentais do movimento socialista, ou como queira chamá-lo, já que teve muitos nomes. Lembro de ver, quando era jovem, um filme dos irmãos Marx. Groucho estava conduzindo um trem e não havia mais lenha. Então, ele começou a destruir os vagões com um machado, para alimentar a caldeira. Ele conseguiu chegar até a estação, mas apenas com a locomotiva. Chegou um trem sem trem. Esse é o perigo que corre a esquerda. Não é inevitável, mas é um perigo.

Projeção internacional do Brasil

O que eu resgataria do governo de Lula é a projeção internacional, essa vontade de fazer uma frente unida dos países que vivem situações semelhantes, que têm problemas semelhantes e um destino comum a conquistar. Que têm essa urgência imediata da restauração da dignidade ferida na negociação financeira, comercial e cultural. Sem essa união, não tem possibilidade. Nenhum país tem. O Brasil pode achar que tem, pela sua dimensão imensa. Mas a situação é a mesma. Por maior que o Brasil seja, não tem a possibilidade de se salvar na solidão. Já está na hora do sul do mundo recuperar aquela energia perdida dos velhos tempos, há 40, 50 anos, quando se faziam aquelas conferências do Terceiro Mundo, que era um mundo independente dos dois blocos, capitalista e comunista. Era a emergência de uma terceira possibilidade e chegou a ter muita força, mas depois se perdeu na névoa do tempo. E também os organismos que existiam para defender o preço dos produtos básicos, que morreram todos, exceto a OPEP. Já é hora de acabar com a impunidade dos poderosos nos grandes mercados, financeiros e comerciais, e no panorama cultural mundial também. Eles são os donos de nossos sonhos, de nossas opiniões, das informações que recebemos ou não, de acordo com a vontade de quem manda. Já é hora de recuperar isso tudo.

União é a chave

Para poder fazer frente a essa negação da esperança, é preciso concretizar uma política conjunta do Uruguai com o Brasil e a Argentina. Aí está a chave de tudo. Cito esses dois porque, no caso do Uruguai, são os vizinhos mais diretos, mas deveria envolver toda a área do cone sul. Fazer uma política conjunta do Mercosul ampliado, como for possível. A idéia de que você pode se salvar sozinho não tem mais nenhuma relação com a realidade dos dias de hoje. Sozinhos, estamos fritos. A solidão nos condena ao fracasso.

Os EUA e o medo

A propósito das outras eleições, que aconteceram dois dias depois das nossas, em um outro país, um pouco maior que o Uruguai, e que ocupa um pouco mais de espaço na mídia universal, elas consagraram o presidente do planeta, senhor George W. Bush. Na eleição do Uruguai, que não teve nenhuma repercussão neste mundo que confunde a grandeza com o tamanho grande dos países e das pessoas, foi uma vitória contra o medo. Na campanha política, a direita tentou aterrorizar a população dizendo que a Frente Ampla era uma conjunção de forças dirigida por tupamaros, seqüestradores, estupradores, ladrões e assassinos. Eu vi pela televisão o discurso final do vice-presidente do partido Colorado, que é o partido do governo atual. Ele lançou uma terrível advertência: se a esquerda ganhar, todos os uruguaios seriam obrigados a se vestir iguaizinhos, como os chineses na época do Mao.

Sobre o plebiscito das águas, também uma campanha de terror, anunciando o pior. Águas envenenadas, sujeira, cheiro fétido, o fim dos esgotos, um panorama terrível, apocalíptico. E o pessoal não deu bola, a população votou contra o medo. Acho que nas eleições dos EUA o medo ganhou. Uns dias antes das eleições, as pesquisas apontavam uma preocupante paridade entre Bush e Kerry. E aí, apareceu, não sei como, deve ser a divina providência, esse personagem que parece tirado do carnaval uruguaio, com aquela barba longa, que responde pelo nome de Bin Laden. Ele aparece para assustar o mundo anunciando que vai comer todos os nenês crus, que vai fazer todos os desastres. Dois apocalipses, três apocalipses, quinze mil torres de Nova York. Magnificamente, Bush subiu quatro pontos em um dia só nas pesquisas de opinião graças à ajuda proporcionada por esse que me parece um chefe de boy-scout (escoteiro). O lema do boy-scout é always ready, ou sempre alerta. Ele está sempre pronto. Acode cada vez que o sistema do medo necessita do grande assustador, esse alto funcionário da ditadura universal do medo.

O medo é importantíssimo não só porque pode eleger um presidente, como aconteceu aí com essa extorsão contínua, essa histeria do terrorismo que avança, das forças do mal, o Diabo que está aí perto, cheirando a enxofre, com chifre e rabo. Mas também para o poder militar. Que seria desta estrutura militar que hoje manda no mundo, dos 2,5 bilhões de dólares que são a cada dia destinados à indústria da morte, às despesas militares, sem o medo? Se não houvesse pessoas ou máquinas, como fabricar os demônios para justificar a existência da estrutura militar? E a mesma coisa em relação à mídia. O medo vende muito bem.

Tecelão

Meu último livro se chama Bocas do Tempo e são textos curtos, num estilo levemente parecido com o do Livro dos Abraços. São 333 histórias, mas isso não foi deliberado, foi o número que encontrei quando fiz o índice. É um número bom, dá sorte. Mas uma quantidade imensa de histórias ficou fora, porque quem escreve, tece. A palavra texto vem do latim textum, que significa tecido. Ou seja, quem escreve está tecendo, é um trabalho têxtil. Você trabalha com fios e cores, que são as palavras, as frases, os relatos. Eles vão se encontrando e há alguns fios que são lindíssimos, mas que não coincidem, não combinam. Então, com dor na alma, ficam de fora.

Foram oito anos de trabalho para esse livro, umas histórias simples, mas que de simples não tem nada. Quanto maior é a sensação que o leitor percebe de transparência, mais complicado é o trabalho que essa aparente simplicidade contém. Para mim, escrever é uma força enorme. E me dá uma alegria imensa também. No fim, quando consigo sentir que essas palavras são bastante parecidas com o desejo de dizer, fico com a certeza de que a condição para não ser mudo é não ser surdo. Ou seja, só é capaz de dizer quem é capaz de escutar. Sou um caçador de vozes e histórias. É a realidade que me conta as coisas que acho que vale a pena que sejam contagiadas.

Abraçado aos vencidos

Não sou um homem que tem ídolos, não idolatro ninguém. O mais próximo que tenho de um ídolo é um jogador de futebol, um cara que me acompanha quando escrevo, já que tenho um pôster dele no meu escritório. Era um inimigo, pois jogou no Peñarol e sou torcedor do Nacional. Fui conquistado por ele, pelo que fazia e por sua personalidade.

Seu nome era Obdulio Varela e foi o herói de um episódio que os brasileiros chamam, com certo exagero, de “nosso Hiroshima”, a final da Copa de 50, quando o Uruguai ganhou, contra todas as possibilidades, do Brasil. Após a partida, os jogadores foram festejar essa impossibilidade. Mas ele fugiu do hotel e foi beber em um boteco do Rio.

Ele me disse que o que havia nas arquibancadas era uma besta, um monstro de 200 mil cabeças. “Eu os odiava”, contou. Depois, tomou uma, duas, três cervejas e via as pessoas, uma a uma, tristes, chorando. E pensou: “Como eu fiz isso com essa gente tão boa?”. E todos atribuíam a vitória a ele, “foi o Obdulio”, diziam. Por isso o admiro, ele não se acusou, não comemorou e passou a noite inteira abraçado aos vencidos.

FONTE: Revista Fórum

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Escola, Exclusão, Desigualdades e Diferenças: Como O Ambiente Pedagógico Pode Abordar As Diferenças?


Introdução

As diferenças entre os indivíduos são características inevitáveis em qualquer sociedade, contudo, ao serem alicerçadas sobre um sistema de poder, onde determinados grupos ou classes ocupam determinado papel hegemônico, os valores passam a se consolidar como um fator importante para a manutenção de determinadas formas de dominação. Com o apogeu da sociedade capitalista erigida pelos princípios da burguesia, as ideias de constitucionalismo e isonomia implantaram no meio social uma cultura de igualdade jurídica e social uniformizando as pessoas em prol a um projeto de sociedade individualista. No entanto, a problemática se encontra nos critérios que solidificam essa uniformização posta sob a égide da cidadania. Quais os valores que balizam essa concepção de igualdade formal?

Sabemos que a explosão das diferenças significa uma crise aos padrões gerais, que ao mesmo tempo em que universaliza as maiorias, esmagam todas as diferenças, reduzindo-as ao campo das minorias, gerando assim maior desigualdade e um processo de inclusão que é tão excludente, quanto qualquer episódio de segregação social ou racial.Os padrões estéticos, do corpo, comportamentais ao se tornarem comum a todos, relega às margens todas as diferenças culturais, raciais e ideológicas. Em nome do universal e da isonomia, a sociedade capitalista excluí mais que inclui.

E dentre as instituições sociais existentes, a escola não se configura como um espaço isento a esses valores culturalmente hegemônicos. Temos aqui um ambiente que, a partir da educação, prepara as gerações mais jovens para o mundo do trabalho, a prática da cidadania e a ampliação dos conhecimentos por meio da ciência. Por outro lado, promove a incorporação dos valores vigentes, se tornando um propício campo para a propagação da ideologia dominante, como também para a violência simbólica. Não há na escola espaço para o particularismo ou crítica sistemática às desigualdades, já que ela é um dos principais aparelhos legitimadores da ideologia do Estado. E isso implica em prejuízo para os alunos oriundos das classes sociais mais pobres e para os que que se encontram em certo grau de exclusão, já que o espaço pedagógico não consegue ser significativo para os mesmos.

O fracasso escolar da juventude negra e dos homossexuais é um problema que vai além da debilidade das estruturas físicas adequadas ou de professores motivados nas escolas. Não são os principais fatores que excluem esses jovens, gerando evasão ou reprovação. O problema dessa exclusão vai além do material, sendo assim, muito mais ligado ao valores culturais historicamente impostos, como também aos diversos mecanismo geradores de discriminações.

O Ambiente Escolar E As Ciladas Das Diferenças

Nas sábias explicações de Antônio Flávio Pierucci, ao iniciar um debate sobre as diferenças através de um de seus textos, o autor afirma que “as diferenças coletivas ou grupais são componentes inevitáveis das sociedades humanas(1997)1” , trazendo para esse debate as proposições de Dahrendorf (1968) e Bourdieu (1979), ao tratar todo processo de estratificação como um campo marcado pela diferenciação e avaliação. Diante tal perspectiva, os valores construídos socialmente, ao hierarquizar os indivíduos transformam as diferenças em um dado concreto das sociedades que, ora servem para criar ênfase em certos grupos de “diferentes”, ora servem para excluí-los da dinâmica social.

Essa diferenciação, além de ser uma construção compartilhada de maneira coletiva, também é fruto de um processo hegemônico de dominação, por parte de determinada classe ou grupo. Nessa perspectiva, não se deve deixar de avaliar que todo esse sistema de diferenças é fruto da emergência de certos valores dominantes, que ao se impor, por meio de um processo, sobre uma determinada dinâmica e ordem social, torna-se parâmetro avaliativo das demais práticas e representações existentes.

A escola por sua vez, enquanto aparelho ideológico do Estado e como um espaço propício para o exercício da violência simbólica, não fica ilesa a esse processo de diferenciação e avaliação. E nessa quadra, as desigualdades socioeconômicas impactam diretamente no cotidiano e nas práticas pedagógicas desenvolvidas, naturalizando as diferenças em certos casos ou também enfatizando exageradamente as diferenças, criando implicações em que o geral é posto em crise em virtude da emergência de uma cultura de valorização do peculiar que rejeita a universalidade, Ora, trazendo novamente as palavras de Pierucci: “se igualdade tem problemas, a diferença me parece que os tem mais”.

Nessa conjuntura, não há como trabalhar sobre as diferenças, sem adentrar no campo complexo dos valores, e dentro de uma sociedade pautada por uma visão capitalista, tal problemática, ao mesmo tempo em que pode ser um caminho para a resistência aos grilhões socialmente impostos, também podem ampliar ainda mais o quadro de diferenças e exclusão. Pierucci a partir da expressão política do corpo, construída a partir de análises sobre os movimentos feministas e de gays, reconhece que existem ciladas nesse jogo das diferenças, pois ela nunca é única, pelo contrário, é múltipla e assim o apelo à igualdade formal em uma sociedade plural é algo deveramente complexo, pois além da ordem política estabelecida, também se configura como um aspecto da quadra ideológica.

Nessa conjuntura, trazendo a baila o objeto central da questão do presente estudo, como podemos enxergar os impactos que as desigualdades socioeconômicas e as diferenças culturais no ambiente escolar? Dito isso, o roteiro a qual se pretende seguir parra desenvolver essa reflexão se constrói a partir de uma breve discussão teórica a partir das concepções sobre a educação, enquanto violência simbólica, como também, ressaltando a escola como aparelho ideológico de Estado. E feito tais análises, objetiva-se pelo menos apontar alguns caminhos que tragam subsídios para contribuir com o debate de uma proposta educacional mais avançada no que diz respeito a relação entre escola, desigualdades e diferenças.

Nessa perspectiva, questões se estabelecem para que novas explanações apontem horizontes mais lúcidos e que, diante da complexidade do estudo sobre as desigualdades e diferenças sociais, a escola torne-se um espaço estratégico para o debate e a construção de novos paradigmas sociais. Ignorar as diferenças e jogá-las na mediocridade da igualdade formal ou explicitar as diferenças, ampliando uma cultura do fragmento e dos microdiscursos em detrimento do universal? Como a escola deve responder a esses questionamentos, sabendo que quando nos referimos às diferenças, estamos em um campo, cujo os limites estão para além das desigualdades econômicas provenientes de uma sociedade de classes distintas?

O ambiente escolar, mesmo sendo um campo em que as relações de poder se estabelece, tem a potencialidade de não somente prestigiar os dominantes, mas também, trazer a baila importantes contradições, implicando um exercício de reflexão intelectual, onde a sociedade, ao contrário de ser concebida como um cenário de hegemonia de um grupo ou classe, torne-se palco de ação para os mais frágeis. Trazendo as palavras de José Souza Martins, “não existe exclusão, existe contradição, existem vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes”, processos esses que atendem ao roteiro estabelecido pela ordem dominante e que são naturalizado a partir dos valores impostos. Ao ser um espaço onde também se manifestam a exclusão e as desigualdades, seja na ordem do acesso, como também no próprio aprendizado e significação, o ambiente escolar deve ter nos processos de exclusão, historicamente construídos na sociedade brasileira como um fecundo objeto de discussão e entendimento. Fomentar o debate sobre as contradições que se expressam dentro da própria desigualdade e exclusão seria um dos papeis mais virtuosos para a escola, em vista os novos paradigmas da contemporaneidade.

A Escola Como Aparelho Ideológico Do Estado

Nas concepções formuladas pelo filósofo Louis Althusser, a escola, assim como o exército, os tribunais ou as prisões, seria um dos aparelhos de reprodução ideológica dos valores vigentes no Estado. Essa ideologia se materializa através desses aparelhos, acomodando os indivíduos a determinado sistema de ordem social. Para Althusser apud Saviani2:


"O Aparelho Ideológico de Estado que foi colocado em posição dominante nas formações capitalistas maduram, após uma violenta luta de classes política e ideológica contra o antigo Aparelho Ideológico de Estado dominante, é o Aparelho Ideológico Escolar".

A escola, nesta concepção se configura como um instrumento estratégico para a reprodução das relações sociais dominantes. E os indivíduos, por sua vez, ao passarem uma grande parte de suas vidas nessas instituições incorporam e naturalizam valores hegemônicos. E diante disso, como se estabelece a problemática da diferença e da desigualdade nesses espaços? É ai que encontramos “a cilada” da igualdade formal estabelecida historicamente pelos instrumentos jurídicos da burguesia.

Os problemas sociais oriundos das desigualdade e das diferenças não deixam de passar pela escola, essa por sua vez, não esconde a exclusão, mas em nome de uma isonomia superficial evoca o respeito às diferenças e reproduz críticas as desigualdades, porém sem se aprofundar nos processos de exclusão que causam essas problemáticas. Nesse caso, desconsideram as causas e relegam às diferenças uma análise que as limitam apenas ao âmbito da igualdade formal. E tudo isso não é acidental, pelo contrário, essa abordagem feita nas escolas, em nome de uma cidadania abstrata é o limite estabelecido para os sistemas de ensino, ultrapassar isso e fomentar uma educação voltada a análise e crítica aos processos de inclusão estabelecidos pelo sistema capitalista que naturalmente é excludente.

Segundo José de Souza Martins, “o que gera a exclusão, na verdade o que é a exclusão, são as formas precárias de inclusão3”. E assim, a escola, enquanto aparelho ideológico do estado “em lugar de instrumento de equalização social, constitui um mecanismo construído pela burguesia para garantir e perpetuar seus interesses4”. Nesse contexto, mesmo com um “véu politicamente correto”, o respeito às diferenças (políticas, culturais, ideológicas etc) e as sensibilidades perante as desigualdades socioeconômicas abordadas dentro da escola servem mais para reforçar as disparidades do que construir o seu enfrentamento.

Os “excluídos” que frequentam as escolas, adentram em um espaço estratégico para o questionamento sobre certas problemáticas, mas que ideologicamente está paralisada e em serventia aos interesses hegemônicos. Os problemas relacionados à aprendizagem (reprovação, evasão, déficit cognitivo), por parte dos excluídos e dos mais pobres, não emergem dentro das instituições de ensino por mero acaso, são produtos de um processo contraditório e natural do sistema capitalista, que preza por uma igualdade de direito, mas que de fato, esmaga, exclui e gera muito mais diferenças e desigualdades.

A Escola Como Espaço Da Violência Simbólica

Em um país em que a sociedade foi forjada sob as bases da segregação social e racial e de uma cultura patrimonial que distinguia os proprietários dos não-proprietários, a exclusão, como diz Lúcio Kowarick apud Sposati, “é uma condição genérica da não-elite”. E as consequências dos processos de exclusão historicamente construídos passam diretamente pela escola, essa por sua vez, enquanto instrumento de socialização, reforça os valores que regem às contradições materiais e por meio de um sistema pedagógico legitimado pelos grupos ou classes dominantes, criam elementos que exercem uma violência simbólica contra os excluídos.

Nas concepções de P, Bourdieu e J. C. Passeron a violência simbólica exercida pelas instituições educacionais se manifestam de maneira em que a ação pedagógica torna-se uma “imposição arbitrária da cultura dos grupos ou classes dominantes aos grupos ou classes dominados. Essa imposição para se exercer, implica necessariamente a autoridade pedagógica.5”. E a ética das desigualdades se estabelece enquanto habitus dentro do próprio ambiente escolar. E dessa maneira, a mesma sociedade que relega os negros e negras, homossexuais e demais minorias sociais à periferia, também fazem com que essas contradições não façam da escola um local próspero para crítica ou desconstrução.

O problema das diferenças e das desigualdades socioeconômicas também se manifestam dentro dos ambientes escolares, o sistema educacional semelhante a uma correia de transmissão, reproduz a mesma violência material contra essas pessoas, na forma de violência simbólica. A escola, torna-se um ambiente apático, sem significados, não emancipador para todos que são incluídos na lógica da isonomia formal estabelecida como princípio constitucional. Isso se traduz nos índices de reprovação e evasão escolar, fatores esses que atingem principalmente essas populações. A escola, ao atender a uma sociedade materialmente desigual, agrega a função de unificar ideologicamente as pessoas em uma cultura massificante e legitimadora de um determinado status quo. Contudo, aos estudantes negros, homossexuais, pobres, fiéis de religiões de matrizes afro-indígena, entre outras minorias sociais, o ambiente escolar não consegue ser atrativo ou ser dotado de algum sentido positivo, já que os valores educacionais constituídos não incluem, ou melhor incluem excluindo. Fazem das diferenças, apenas um elemento de um discurso politicamente correto, mas em nenhuma circunstância como um elemento capaz de alimentar uma auto-estima cultural ou de rompimento com a isonomia formal, que historicamente foi estabelecida pela sociedade burguesa.

Impactos Das Diferenças No Fracasso Escolas: Raça e Gênero

Nesse momento, após o apanhado sobre a questão das diferenças, desigualdades e exclusão, enquanto consequências naturais do nosso atual modelo de sociedade, e como a escola consegue ser, ao mesmo tempo que um espaço de contestação teórica, também uma das ferramentas estratégicas para afirmar e fortalecer os valores excludentes de um Estado pautado por valores capitalistas, torna-se oportuno, trazer algumas reflexões sobre os impactos negativos que esse quadro de exclusão pode trazer à estudantes cuja a raça e a identidade de gênero não são valorizados pela cultura hegemônica.

Um dos pontos relevantes nesse debate é a reprovação. No Brasil, podemos assim afirmar que a reprovação escolar tem uma cor muito bem definida, a negra. Ao topar com um modelo educacional hegemônico instituído, dotado de valores de uma cultura branca e eurocêntrica, é impossível que o estudante negro ainda não se veja excluído do ambiente escolar. Normalmente, ele é tido como o feio e o burro. Nas escolas, o padrão de beleza vigente é o de uma sociedade branca, e diante disso, o estudante negro procura ou é educado a manifestar sua beleza por meio desses mesmos padrões brancos (é comum ouvirmos a frase: ele é negro mas com o cabelo bom) , reafirmando a normatividade da estética branca presente na indústria de comunicação de massa, nos livros didáticos, na relação professor-aluno e também nas relações sociais vividas entre os próprios estudantes6. Frente a essas questões estéticas, que o ambiente escolar incorpora da própria sociedade, também temos outra questão que é relevante no processo de análise dos estudantes de cor negra, a intelectualidade. Por não ser um ambiente agradável para esses estudantes, o entendimento e o aprendizado tornam-se mais dificultosos, a violência simbólica imposta pelos padrões culturais hegemônicos criam barreiras e esses mesmos estudantes, de acordo com Brito, passam a compartilhar uma valorização pela proeza e prática esportiva. “Os relatos levaram a crer opção pelo mundo da quadra, dos esportes, fornecia a esses jovens uma esperança de sucesso e status que nem sequer imaginavam ser possível obter em outras ocupações, diferente do narrado pelos estudantes brancos 7.

É triste conceber uma realidade escolar em que os impactos da exclusão e das desigualdades socioeconômicas, bem como o desrespeito ao direito as diferenças implicam para jovens negros uma realidade na qual, além de não construírem projetos de longevidade escolar, estão sobre representados entre aqueles que diziam ter como ambição profissional apenas a carreira futebolística8.

Por outro lado, também temos à escola como um espaço de propagação (direta ou indireta) de certos valores de uma cultura social machista. Jovens estudantes são educados em um ambiente onde a hegemonia da masculinidade é latente, principalmente no que tange a condição de autoridade. Além disso, a instituição escolar se configura como um o cenário perfeito para reprodução de práticas homofóbicas e misóginas (paralelo de misandria – ódio ao sexo masculino e contrário de filoginia), causando assim, um profundo grau de exclusão de garotas e homossexuais nesse ambiente.

E diante disso, é nítido que mesmo incluídos em um sistema alicerçados em uma igualdade abstrata, a escola enquanto um ambiente transformador e a educação enquanto ferramenta de emancipação e tomada de consciência política e social, também não são imunes aos valores excludentes e hegemônicos de uma sociedade capitalista. Dessa maneira, tudo aquilo que é avaliado ou valorado como diferente dos padrões, também vão ser vitimizados pelo próprio sistema educacional. Nesse jogo das diferenças, são muitas as ciladas e as consequências produzidas nos obrigam a conceber que nem todos os discursos e práticas pedagógicas são tão politicamente corretas como em muitos casos nos acostumamos a aceitar.

Considerações Finais

Em vista os fatos abordados, a pesquisa pode concluir que mesmo sendo formuladas inúmeras reflexões sobre a função social da escola, em vista as suas potencialidades de promover a emancipação social por meio de um ensino reflexivo e uma aprendizagem mais crítica, não podemos conceber a análise sobre tal instituição desvinculada aos padrões hegemônicos construídos historicamente na sociedade capitalista.. Nesse contexto, fatos ligados aos processos de desigualdades socioeconômicas e exclusão social também são reproduzidos dentro da escola, e o ambiente que, teoricamente seria propício a uma inclusão e respeito ao direito às diferença, torna-se mais uma ferramenta de reprodução e fortalecimento dos valores dominantes.

Nessa quadra, a violência simbólica se estabelece sobre jovens negros, homossexuais e mulheres principalmente, acarretando uma aversão ao ambiente escolar, por parte desses estudantes. A escola não oferece atrativos culturais ou ideológicos para esses jovens, pelo contrário, sua matriz curricular ainda é eurocêntrica, machista, patrimonialista e judaico-cristã. E justamente por esses fatores que outros espaços tornam-se mais atrativos para jovens pobres, negros e homossexuais, justificando de uma certa maneira os excessivos casos de reprovação e evasão escolar por parte dessa população culturalmente excluídas.

Existem muitas ciladas nesse jogo das diferenças, o respeito ou a isonomia não são elementos suficientes para promover a dignidade e autonomia das populações excluídas, já que no âmbito da igualdade formal, muitos aspectos da cultura negra, por exemplo são desconsiderados ou tipificados como anormais, frente aos padrões incorporados ao senso comum da maioria das pessoas. E dessa maneira, os impactos sobre o aprendizado e a continuidade dos estudos são profundos para aqueles que ao invés de se emanciparem culturalmente, se tornam vítimas do próprio sistema educacional.

Notas:
1. PIERUCCI, Ciladas da diferença. São Paulo: USP, Curso de Pós-gradudação em Sociologia. Ed. 34, p. 103
2. SAVIANI. Escola e Democracia. 4Ed, São Paulo: Cortez, p.24
3. MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus, p. 21
4. SAVIANI. Escola e Democracia. 4Ed, São Paulo: Cortez, p.26
5. SAVIANI. Escola e Democracia. 4Ed, São Paulo: Cortez, p. 18
6. SPOSATI, Aldaíza. Exclusão social abaixo da linha do Equador. p.10
7. Idem, p. 11
8. SPOSATI, Aldaíza. Exclusão social abaixo da linha do Equador. p.12

Referências
BRITO, Rosemeire dos Santos. Gênero, raça e fracasso escolar: algumas articulações analíticas. In CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO, 3., 2011, Paraná. Anais... Paraná: UEPG, 2011.
MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus, 1997.
PERUCCI, Antonio Flávio. Amanhã, a diferença? IN: PERUCCI, Antonio Flávio. Ciladas da diferença. São Paulo: USP, Curso de Pós-graudação em Sociologia. Ed. 34, 1999.
SAVIANI. Escola e Democracia. 4Ed, São Paulo: Cortez.
SPOSATI, Aldaíza. Exclusão social abaixo da linha do Equador. In: SEMINÁRIO DE EXCLUSÃO SOCIAL. São Paulo. Anais... São Paulo:PUC

Mercado de Trabalho VERSUS Juventude


Existem definições modernas que dão um meio-entendimento sobre essa tal "globalização" em que o mundo passa. São resultantes do avanço das tecnologias, as formas de produção também estão cada vez mais complexas, as políticas de sustentabilidade, os avanços no debate do direito do trabalho. A era das máquinas, a era da informática, da mecanização,dos conceitos econômicos, dos fóruns internacionais. Mas algumas perguntas estão sempre voltando as mesas de debates: E os jovens?

O que o mundo da busca por resultados denomina como "estar dando passos positivos por uma busca ideal dos resultado" na verdade é um desejo de dominio de mercado cada vez mais ganancioso. A empresa X concorre em seu campo de atuação com várias outras; quem já leu algum artigo sobre isso, alguns estudiosos da área dizem que o Brasil precisa ser mais competitivo para melhoria de seus produtos internos até concorrer com produtos externos (os importados), outros dizem que as "exportações devem ser encaradas como uma continuidade e como embaixadores".

Essa busca desesperada por melhores resultados está coberta por um manto boas perspectivas, de uma satisfação do cliente, a construção de novo link e expansão dos negócios, e para uma grande parte da sociedade novos empregos. Então para que tudo isso dê certo precisamos de investimento, e um investimento forte, significante, que consiga alcançar os ideais pretendidos, uma boa qualidade e uma severa administração dos recursos, com reaproveitamentos, políticas sustentáveis e uma comunicação com tom de satisfação onde ninguém saia perdendo, nem os produtores e seus colaboradores e nem o cliente final e os consumidores.

Pesquisas informam que os produtos estrangeiros são os mais consumidos, produtos chineses, japoneses, americanos e a lista é grande. Os produtos nacionais perdem por uma diferença que alguns passaram a repensar onde pode-se melhorar (famosa frase para traduzir: Onde está o erro?). Em uma pesquisa realizada no ano passado sobre o consumo de produtos estrangeiros mostrou que um quinto do que é consumido no país é estrangeiro (21,8% no terceiro trimestre do ano) - a concorrência está acirrada!

O debate sobre isso é complexo e cada vez que se aprofunda é que se observa coisas novas, detalhes minuciosos que provocam uma diferença bastante considerável. E vem outra pergunta, os jovens estão conseguindo acompanhar?

Essas evoluções monstruosas nas formas de produção conectadas também é outro tema nessa discussão. Bem, assim,como nas antigas revoluções industriais tudo era muito novo ou muito recente, máquinas de tração humana ou animal davam lugar as máquinas à vapor, movidas por enormes engrenagem. Imagina-se o susto da sociedade agora ter que aprender, surgiam ali novas profissões que para aquele momento era muito mas muito necessário para movimentação daquelas engrenagem.

Então, quem instalaria as máquinas no galpão, cadê o profissional? Se a máquina quebrar ou sua manutenção, cadê o profissional? E a forma de manipular a máquina para produção, cadê o profissional? Quem vai supervisionar a saída do produzido, quem vai gerir as embalagens, quem vai estocar, quem vai supervisionar o pessoal? Enfim, perceba quantas demandas eram necessárias para tocar uma fábrica de alfinetes na antiga França.

Pensavam ali, podemos conjecturar, numa capacitação de profissionais, claro à maneira da época. Óbvio que defronte a uma nova circunstância, (o que eles chamam de "desafio") era apavorante! Pois a forma de produzir mudou! departamentalizou tudo, dividiram-se as tarefas, cada qual tinha uma atividade que lhe atribuía uma certa responsabilidade a mais ou menos ou era tudo muito importante para eles afinal estamos falando de ganhar dinheiro e quando o assunto é ganhar dinheiro tudo é muito importante até mesmo falar em salvar o planeta, ganhar créditos no mercado por ter "cota para poluir" e se não o fizer a multa é grande e eles talvez não pensem no planeta mas pensam na multa, saída de dinheiro, despesas... Não é sarcasmo, é a mais pura realidade!

Vamos criar uma linha do tempo, acho que sai melhor dizer: crie um paralelo entre as revoluções sofridas no mundo naquela época e as revoluções sofridas no mundo de hoje. Dá para notar esteticamente que mudou muita coisa, Só não mudou algo: a ganância!

Talvez essa ganância recaia na história de Darwin sobre a luta dos animais pela sobrevivência. O pensamento para alguns evoluiu muito daquela época para os dias atuais. Por exemplo, as questões das leis trabalhistas foram muito evocadas e construiu-se um pensamento "microscópico" (Taylor) à respeito do operário. Eles são importantes, eles têm sentimentos, têm necessidades, têm sonhos, também querem alcançar um lugar no mundo do trabalho e por diante dar continuidade a sua carreira profissional e pessoal. Será que não é isso que se é divulgado quando a pergunta de novo fala nos jovens?

Os jovens se tornam uma pedra no sapato do Estado, em 2013 o número de jovens para ingressar no mercado de trabalho foi imensa e que numa pesquisa realizada revelou que 70% dos jovens dizem que não se sentem preparados para o mercado de trabalho. Vamos colocar as antigas revoluções industriais no meio da conversa. Diz historiadores que existiam jovens trabalhando nas enormes fábricas, por longos períodos de trabalho desgastante, sem um amparo legal por acidentes, seguro desemprego, férias, fixação de salário minimo e outras ilusões criadas pelo Estado.

É possível então afirmar, se naquela época, começo de tudo, onde a crise socioeconômica era gritante, será que os jovens da época também não sentiram o mesmo calafrio que os de hoje sentem? O acesso a informação na época era escasso... A pesquisa continua mostrando as dificuldades de região para região em inserir esse jovem no mercado de trabalho e que a culpa, segundo os entrevistados nesta pesquisa, estava nas faculdades.

Se entende o sentimento de culpar as escolas, faculdades e cursos porque são elas que formam o profissional. Mas chegou a se perguntar se as exigências do mercado de trabalho não estão sendo desumanas com os jovens de um país emergente com deformações políticas vergonhosas?

Essa pesquisa apresentou um tom de inferioridade dos entrevistados. De certo não é a realidade de todos, não é a opinião dos milhões de jovens brasileiros, dos 1,1 milhão de jovens ociosos entre os 13 aos 18 anos de idade (pesquisa Unicef). Existe hoje em dia um verdadeiro arsenal para quem quer se profissionalizar, Ora, hoje em dia escolas técnicas espalhadas por ai, programas de inclusão ao ensino superior, cursos e mais cursos, cada esquina agora tem uma faculdade mas o mercado continua dizendo que com muita dificuldade encontram um profissional no perfil por eles adotado.

Há comentários que diz: "não faz uma faculdade hoje quem não quer". Seria isso realmente verdade? Porque as pessoas não comem, não vestem mais, não adoecem, não se deslocam para nenhum lugar... e os comentários continuam: "ah! se você for pensar nisso você não faz nada". De certo a pessoa que pensa assim está certa e infelizmente ela talvez saiba que faz parte do grupo de pessoas que o mercado quer ver mais dela! Ela não se deu conta ainda que está na fôrma e essa fôrma não vai deixa-la mais profissional, na verdade vai escraviza-lá a dar ganhos a corporação num salário pré-fixado em lei que diante de tantas variações econômicas e financeira o salário é troca de trabalho por comida o que não era tão diferente assim nas antigas revoluções industriais.

Por Gabriel Alex.

Precarização do trabalho, terceirização e estágio


As revoluções burguesas do século XVIII, como dito em vários momentos, edificaram as condições para que se fizessem lutas emancipadoras pelo mundo. Com certeza, as perspectivas de mudanças radicais no modelo de sociedade - o Socialismo - sempre esteve ligado às condições dadas por aqueles momentos históricos e, sobretudo, pelas condições que eram dadas à classe trabalhadora de exercer/vender o seu trabalho.

Não é segredo pra ninguém, por exemplo, as condições em que se encontravam os trabalhadores na Inglaterra pré-Revolução Industrial; bem como não é segredo as condições de trabalho na Europa como um todo, incluindo-se aí, a Rússia czarista.

A bipolarização que ocorria no mundo durante a Guerra Fria surtiu um efeito salutar nesses episódios tão rememorados por aqueles que lutam por uma emancipação social. Afinal de contas, foi, em última instância, a disputa pela hegemonia mundia de então, que pressionou e edificou uma lógica em que direitos fossem conquistados pela classe trabalhadora. Sendo assim, se não fosse a experiência dos comunistas na URSS, direitos como férias; décimo terceiro salário; aviso prévio, entre outros, não seriam garantidos.

Com a queda da URSS e pós declaração do famigerado "fim da história", a hegemonia imperialista reconstruiu condições e lógicas sociais e trabalhistas mundo afora. Exemplo maior disso são duas faces de uma mesma moeda: a tentativa de hegemonização do trabalho terceirizado e a exacerbada contratação via estágio. 

Na realidade brasileira, Projetos de Lei como o PL 4.330 tentam generalizar a terceirização a setores que, até agora,  estão fora dessa lógica. Como afirmado em artigo de Adilson Araújo  à Princípios,atualmente só admite-se a contratação em regime de terceirização para trabalho temporário; contratação de serviços de vigilância; serviços de conservação e limpeza e serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador.

Para os trabalhadores mais jovens, o estágio, que parece ser uma saída valorosa para ingressar-se no mercado de trabalho, uma lógica ainda mais perversa é tomada, pois serviços que devem ser cumpridos por trabalhadores cujos direitos sejam cumpridos plenamente, são feitos por estudantes na condição de estagiários. A perversão da lógica torna-se ainda maior quando, mesmo após publicada a lei nº 11.788 (Lei do Estágio), de autoria da Deputada Federal Manuela D'Ávila (PCdoB), o Capital usurpa os direitos dados a essa camada populacional, juntando duas lógicas: a terceirização do serviço do estagiário. Dessa forma, o contratante do estagiário, sendo empresas contratadas pelo poder público, por exemplo, fazem o contrato da maneira como querem, afinal existe o exército reserva.

Fica latente, então, a necessidade de aliança cada vez maior entre a juventude que trabalha e a juventude que estuda, entendendo que a luta sindical e estudantil compõem uma luta ainda maior, que é pela emancipação da classe trabalhadora, para a qual o Capital tenta preparar precariamente parcela considerável da juventude brasileira. Unir o movimento sindical ao movimento estudantil a fim de barrar o PL 4330 e aumentar a fiscalização em torno da Lei do Estágio são desafios prementes para se alcançar novos passos para o desenvolvimento pleno de nossa sociedade.

Por Nilson Vellazquez


Porque os jovens profissionais da geração Y estão infelizes

Ana é parte da Geração Y, a geração de jovens nascidos entre o fim da década de 1970 e a metade da década de 1990. Ela também faz parte da cultura Yuppie, que representa uma grande parte da geração Y.

“Yuppie” é uma derivação da sigla “YUP”, expressão inglesa que significa “Young Urban Professional”, ou seja, Jovem Profissional Urbano. É usado para referir-se a jovens profissionais entre os 20 e os 40 anos de idade, geralmente de situação financeira intermediária entre a classe média e a classe alta. Os yuppies em geral possuem formação universitária, trabalham em suas profissões de formação e seguem as últimas tendências da moda. - Wikipedia.

Eu dou um nome para yuppies da geração Y — costumo chamá-los de “Yuppies Especiais e Protagonistas da Geração Y”, ou “GYPSY” (Gen Y Protagonists & Special Yuppies). Um GYPSY é um tipo especial de yuppie, um tipo que se acha o personagem principal de uma história muito importante.

Então Ana está lá, curtindo sua vida de GYPSY, e ela gosta muito de ser a Ana. Só tem uma pequena coisinha atrapalhando:

Ana está meio infeliz.

Para entender a fundo o porquê de tal infelicidade, antes precisamos definir o que faz uma pessoa feliz, ou infeliz. É uma formula simples:

É muito simples — quando a realidade da vida de alguém está melhor do que essa pessoa estava esperando, ela está feliz. Quando a realidade acaba sendo pior do que as expectativas, essa pessoa está infeliz.

Para contextualizar melhor, vamos falar um pouco dos pais da Ana:



Os pais da Ana nasceram na década de 1950 — eles são “Baby Boomers“. Foram criados pelos avós da Ana, nascidos entre 1901 e 1924, e definitivamente não são GYPSYs.



Na época dos avós da Ana, eles eram obcecados com estabilidade econômica e criaram os pais dela para construir carreiras seguras e estáveis. Eles queriam que a grama dos pais dela crescesse mais verde e bonita do que eles as deles próprios. Algo assim:



Eles foram ensinados que nada podia os impedir de conseguir um gramado verde e exuberante em suas carreiras, mas que eles teriam que dedicar anos de trabalho duro para fazer isso acontecer.


Depois da fase de hippies insofríveis, os pais da Ana embarcaram em suas carreiras. Então nos anos 1970, 1980 e 1990, o mundo entrou numa era sem precedentes de prosperidade econômica. Os pais da Ana se saíram melhores do que esperavam, isso os deixou satisfeitos e otimistas.



Tendo uma vida mais suave e positiva do que seus próprios pais, os pais da Ana a criaram com um senso de otimismo e possibilidades infinitas. E eles não estavam sozinhos. Baby Boomers em todo o país e no mundo inteiro ensinaram seus filhos da geração Y que eles poderiam ser o que quisessem ser, induzindo assim a uma identidade de protagonista especial lá em seus sub-conscientes.

Isso deixou os GYPSYs se sentindo tremendamente esperançosos em relação à suas carreiras, ao ponto de aquele gramado verde de estabilidade e prosperidade, tão sonhado por seus pais, não ser mais suficiente. O gramado digno de um GYPSY também devia ter flores.



Isso nos leva ao primeiro fato sobre GYPSYs:

GYPSYs são ferozmente ambiciosos



O GYPSY precisa de muito mais de sua carreira do que somente um gramado verde de prosperidade e estabilidade. O fato é, só um gramado verde não é lá tão único e extraordinário para um GYPSY. Enquanto seus pais queriam viver o sonho da prosperidade, os GYPSYs agora querem viver seu próprio sonho.

Cal Newport aponta que “seguir seu sonho” é uma frase que só apareceu nos últimos 20 anos, de acordo com o Ngram Viewer, uma ferramenta do Google que mostra quanto uma determinada frase aparece em textos impressos num certo período de tempo. Essa mesma ferramenta mostra que a frase “carreira estável” saiu de moda, e também que a frase “realização profissional” está muito popular.





Para resumir, GYPSYs também querem prosperidade econômica assim como seus pais – eles só querem também se sentir realizados em suas carreiras, uma coisa que seus pais não pensavam muito.

Mas outra coisa está acontecendo. Enquanto os objetivos de carreira da geração Y se tornaram muito mais específicos e ambiciosos, uma segunda ideia foi ensinada à Ana durante toda sua infância:



Este é provavelmente uma boa hora para falar do nosso segundo fato sobre os GYPSYs:

GYPSYs vivem uma ilusão

Na cabeça de Ana passa o seguinte pensamento: “mas é claro… todo mundo vai ter uma boa carreira, mas como eu sou prodigiosamente magnífica, de um jeito fora do comum, minha vida profissional vai se destacar na multidão”. Então se uma geração inteira tem como objetivo um gramado verde e com flores, cada indivíduo GYPSY acaba pensando que está predestinado a ter algo ainda melhor:

Um unicórnio reluzente pairando sobre um gramado florido.



Mas por que isso é uma ilusão? Por que isso é o que cada GYPSY pensa, o que põe em xeque a definição de especial:

es-pe-ci-al | adjetivo melhor, maior, ou de algum modo diferente do que é comum

De acordo com esta definição, a maioria das pessoas não são especiais, ou então “especial” não significaria nada.

Mesmo depois disso, os GYPSYs lendo isto estão pensando, “bom argumento… mas eu realmente sou um desses poucos especiais” – e aí está o problema.

Uma outra ilusão é montada pelos GYPSYs quando eles adentram o mercado de trabalho. Enquanto os pais da Ana acreditavam que muitos anos de trabalho duro eventualmente os renderiam uma grande carreira, Ana acredita que uma grande carreira é um destino óbvio e natural para alguém tão excepcional como ela, e para ela é só questão de tempo e escolher qual caminho seguir. Suas expectativas pré-trabalho são mais ou menos assim:



Infelizmente, o mundo não é um lugar tão fácil assim, e curiosamente carreiras tendem a ser muito difíceis. Grandes carreiras consomem anos de sangue, suor e lágrimas para se construir – mesmo aquelas sem flores e unicórnios – e mesmo as pessoas mais bem sucedidas raramente vão estar fazendo algo grande e importante nos seus vinte e poucos anos.

Mas os GYPSYs não vão apenas aceitar isso tão facilmente.

Paul Harvey, um professor da Universidade de New Hampshire, nos Estados Unidos, e expert em GYPSYs, fez uma pesquisa onde conclui que a geração Y tem “expectativas fora da realidade e uma grande resistência em aceitar críticas negativas” e “uma visão inflada sobre si mesmo”. Ele diz que “uma grande fonte de frustrações de pessoas com forte senso de grandeza são as expectativas não alcançadas. Elas geralmente se sentem merecedoras de respeito e recompensa que não estão de acordo com seus níveis de habilidade e esforço, e talvez não obtenham o nível de respeito e recompensa que estão esperando”.

Para aqueles contratando membros da geração Y, Harvey sugere fazer a seguinte pergunta durante uma entrevista de emprego: “Você geralmente se sente superior aos seus colegas de trabalho/faculdade, e se sim, por quê?”. Ele diz que “se o candidato responde sim para a primeira parte mas se enrola com o porquê, talvez haja um senso inflado de grandeza. Isso é por que a percepção da grandeza é geralmente baseada num senso infundado de superioridade e merecimento. Eles são levados a acreditar, talvez por causa dos constantes e ávidos exercícios de construção de auto-estima durante a infância, que eles são de alguma maneira especiais, mas na maioria das vezes faltam justificativas reais para essa convicção”.

E como o mundo real considera o merecimento um fator importante, depois de alguns anos de formada, Ana se encontra aqui:



A extrema ambição de Ana, combinada com a arrogância, fruto da ilusão sobre quem ela realmente é, faz ela ter expectativas extremamente altas, mesmo sobre os primeiros anos após a saída da faculdade. Mas a realidade não condiz com suas expectativas, deixando o resultado da equação “realidade – expectativas = felicidade” no negativo.

E a coisa só piora. Além disso tudo, os GYPSYs tem um outro problema, que se aplica a toda sua geração:

GYPSYs estão sendo atormentados

Obviamente, alguns colegas de classe dos pais da Ana, da época do ensino médio ou da faculdade, acabaram sendo mais bem-sucedidos do que eles. E embora eles tenham ouvido falar algo sobre seus colegas de tempos em tempos, através de esporádicas conversas, na maior parte do tempo eles não sabiam realmente o que estava se passando na carreira das outras pessoas.

A Ana, por outro lado, se vê constantemente atormentada por um fenômeno moderno: Compartilhamento de Fotos no Facebook.

As redes sociais criam um mundo para a Ana onde: A) tudo o que as outras pessoas estão fazendo é público e visível à todos, B) a maioria das pessoas expõe uma versão maquiada e melhorada de si mesmos e de suas realidades, e C) as pessoas que expôe mais suas carreiras (ou relacionamentos) são as pessoas que estão indo melhor, enquanto as pessoas que estão tendo dificuldades tendem a não expor sua situação. Isso faz Ana achar, erroneamente, que todas as outras pessoas estão indo super bem em suas vidas, só piorando seu tormento.



Então é por isso que Ana está infeliz, ou pelo menos, se sentindo um pouco frustrada e insatisfeita. Na verdade, seu início de carreira provavelmente está indo muito bem, mas mesmo assim, ela se sente desapontada.

Aqui vão meus conselhos para Ana:

1) Continue ferozmente ambiciosa. O mundo atual está borbulhando de oportunidades para pessoas ambiciosas conseguirem sucesso e realização profissional. O caminho específico ainda pode estar incerto, mas ele vai se acertar com o tempo, apenas entre de cabeça em algo que você goste.

2) Pare de pensar que você é especial. O fato é que, neste momento, você não é especial. Você é outro jovem profissional inexperiente que não tem muito para oferecer ainda. Você pode se tornar especial trabalhando duro por bastante tempo.

3) Ignore todas as outras pessoas. Essa impressão de que o gramado do vizinho sempre é mais verde não é de hoje, mas no mundo da auto-afirmação via redes sociais em que vivemos, o gramado do vizinho parece um campo florido maravilhoso. A verdade é que todas as outras pessoas estão igualmente indecisas, duvidando de si mesmas, e frustradas, assim como você, e se você apenas se dedicar às suas coisas, você nunca terá razão pra invejar os outros.

Fonte: Demografia Unicamp
Texto Original: Wait But Why